Ora entre Enganin e Cesareia, num casebre desgarrado, sumido na prega de
um cerro, vivia a esse tempo uma viúva, mais desgraçada mulher que todas as
mulheres de Israel. O seu filhinho único, todo aleijado, passara do magro peito
a que ele o criara para os farrapos da enxerga apodrecida, onde jazera, sete
anos passados, mirrando e gemendo. Também a ela a doença a engelhara dentro dos
trapos nunca mudados, mais escura e torcida que uma cepa arrancada. E, sobre
ambos, espessamente a miséria cresceu como bolor sobre cacos perdidos num ermo.
Até na lâmpada de barro vermelho secara há muito o azeite. Dentro da arca
pintada não restava um grão ou côdea. No Estio, sem pasto, a cabra morrera.
Depois, no quinteiro, secara a figueira. Tão longe do povoado, nunca esmola de
pão ou mel entrava o portal. E só ervas apanhadas nas fendas das rochas,
cozidas sem sal, nutriam aquelas criaturas de Deus na Terra Escolhida, onde até
às aves maléficas sobrava o sustento!
Um dia um mendigo entrou no
casebre, repartiu do seu farnel com a mãe amargurada, e um momento sentado na
pedra da lareira, coçando as feridas das pernas, contou dessa grande esperança
dos tristes, esse rabi que aparecera na Galileia, e de um pão no mesmo cesto
fazia sete, e amava todas as criancinhas, e enxugava todos os prantos, e
prometia aos pobres um grande e luminoso reino, de abundância maior que a corte
de Salomão. A mulher escutava, com os olhos famintos. E esse doce rabi,
esperança dos tristes, onde se encontrava? O mendigo suspirou. Ah esse doce
rabi! quantos o desejavam, que de desesperançavam! A sua fama andava por sobre
toda a Judeia, como o sol que até por qualquer velho muro se estende e se goza;
mas para enxergar a claridade do seu rosto, só aqueles ditosos que o seu desejo
escolhia. Obed, tão rico, mandara os servos por toda a Galileia para que
procurassem Jesus, o chamassem com promessas a Enganim; Sétimo, tão soberano, destacara
os seus soldados até à costa do mar, para que buscassem Jesus, o conduzissem,
por seu mando, a Cesareia. Errando, esmolando por tantas estradas, ele topara
os servos de Obed, depois os legionários de Sétimo. E todos voltavam, como
derrotados, com as sandálias rotas, sem ter descoberto em que mata ou cidade,
em que toca ou palácio, se escondia Jesus.
A tarde caía. O mendigo
apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe
retomou o seu canto, a mãe mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho,
num murmúrio mais débil que o roçar duma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse
esse rabi que amava as criancinhas, ainda as mais pobres, sarava os males,
ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça engelhada:
- Oh filho! e como queres que
te deixe, e me meta aos caminhos, à procura do rabi da Galileia? Obed é rico e
tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Chorazim até
ao país de Moab. Sétimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus,
desde Hébron até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e
nossa dor mora connosco, dentro destas paredes e dentro delas nos prende. E
mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem
ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para
sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?
A criança, com duas longas
lágrimas na face magrinha, murmurou:
- Oh mãe! Jesus ama todos os
pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria
sarar! E a mãe, em soluços:
- Oh meu filho como te posso
deixar! Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão
rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais.
Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho!
Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o
trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
De entre os negros trapos,
erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:
-Mãe, eu queria ver Jesus...
E logo, abrindo devagar a
porta e sorrindo, Jesus disse à criança:
- Aqui estou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário