quinta-feira, 26 de julho de 2012


Boa companhia

Durante todo o inverno ela ficou dentro de casa a maior parte do tempo.

Naquele dia de final de abril, a friagem amenizou e ela sentiu o perfume forte e estimulante da primavera. Seus ouvidos escutaram o canto insistente de um passarinho do lado de fora da janela. É como se a pequena ave a estivesse convidando a sair de casa.

Preparou-se, tomou a bengala e saiu. Voltou o rosto para o sol, deu-lhe um sorriso de boas-vindas, agradecida pelo seu calor e a promessa do verão. Caminhando tranqüila pela rua sem saída, escutou a voz da vizinha a lhe perguntar se não desejava uma carona.
- Não, - respondeu ela - as minhas pernas descansaram o inverno inteiro. As juntas estão precisando ser lubrificadas e um passeio a pé me fará bem.

Ao chegar na esquina ela esperou, como era seu costume, que alguém se aproximasse e permitisse que ela o acompanhasse, quando o sinal ficasse verde. Os segundos pareceram uma eternidade. E ninguém aparecia.

Nenhuma oferta de ajuda. Ela podia ouvir muito bem o ruído nervoso dos carros passando com rapidez, como se tivessem que conduzir os seus ocupantes a algum lugar, muito, muito depressa.

Por um momento se sentiu só, desprotegida. Resolveu cantarolar uma melodia. Do fundo da memória, recordou-se de uma canção de boas-vindas à primavera, que havia aprendido na escola quando era criança.

De repente, ela ouviu uma voz masculina forte e bem modulada.
- Você me parece um ser humano muito alegre. Posso ter o prazer de sua companhia para atravessar a rua?

Ela fez que sim com a cabeça, sorriu e murmurou ao mesmo tempo um "sim".

Delicadamente, ele segurou o braço dela. Enquanto atravessavam devagar, conversaram sobre o tempo e como era bom, afinal, estar vivo num dia daqueles. Como andavam no mesmo passo, era difícil se saber quem era o guia e quem era o guiado. Mal haviam chegado ao outro lado da rua, ouviram as buzinas impacientes dos automóveis. Devia ser a mudança de sinal.

Ela se voltou para o cavalheiro, abriu a boca para agradecer pela ajuda e pela companhia.

Antes que pudesse dizer uma palavra, ele já estava falando:
- Não sei se você percebe como é gratificante encontrar uma pessoa tão bem disposta para acompanhar um cego como eu, na travessia de uma rua.

Às vezes, quando nos sentimos sós no universo, Deus nos manda uma imagem semelhante para diminuir nossa sensação de isolamento e disparidade. É sempre reconfortante conseguir perceber que, sejam quais forem as dificuldades e limitações que estejamos atravessando, sobre a terra existem outras tantas dezenas ou centenas de criaturas que, como nós, passam por situações semelhantes.

Obs. Desconheço a autoria
Postado por Marisa Alverga

segunda-feira, 23 de julho de 2012


A FLAUTA E O SABIÁ
 
Em rico estojo de veludo, pousado sobre uma mesa de charão, jazia uma flauta de prata. Justamente por cima da mesa, em riquíssima gaiola suspensa ao teto, morava um sabiá. Estando a sala em silêncio, e descendo um raio de sol sobre a gaiola, eis que o sabiá, contente, modula uma ária.
Logo a flauta escarninha põe-se a casquinar no estojo como a zombar do módulo cantor silvestre.
— De que te ris? indaga o pássaro.
E a flauta em resposta:
— Ora esta! pois tens coragem de lançar guinchos diante de mim?
— E tu quem és? ainda que mal pergunte.
— Quem sou? Bem se vê que és um selvagem. Sou a flauta. Meu inventor, Mársias, lutou com Apolo e venceu-o. Por isso o deus despeitado o imolou. Lê os clássicos.
— Muito prazer em conhecer... Eu sou um mísero sabiá da mata, pobre de mim! fui criado por Deus muito antes das invenções. Mas deixemos o que lá se foi. Dize-me: que fazes tu?
— Eu canto.
— O ofício rende pouco. Eu que o diga que não faço outra coisa. Deixarei, todavia, de cantar e antes nunca houvesse aberto o bico porque, talvez, sendo mudo, não houvessem escravizado se, ouvindo a tua voz, convencer-me de que és superior a mim. Canta! Que eu aprecie o teu gorjeio e farei como for de justiça.
— Que eu cante?!...
— Pois não te aprece justo o meu pedido?
— Eu canto para regalo dos reis nos paços; a minha voz acompanha hinos sagrados nas igrejas. O meu canto é harmoniosa inspiração dos gênios ou a rapsódia sentimental do povo.
— Pois venha de lá esse primor. Aqui estou para ouvir-te e para proclamar-te, sem inveja, a rainha do canto.
— Isso agora não é possível.
— Não é possível! por quê?
— Não está cá o artista.
— Que artista?
— O meu senhor, de cujos lábios sai o sopro que transformo em melodia. Sem ele nada posso fazer.
— Ah! é assim?
— Pois como há de ser?
— Então, minha amiga modéstia à parte vivam os sabiás! Vivam os sabiás e todos os pássaros dos bosques, que cantam quando lhes apraz, tirando do próprio peito o alento com que fazem a melodia. Assim da tua vanglória há muitos que se ufanam. Nada valem se os não socorrem o favor de alguém; não se movem se os não amparam; não cantam se lhes não dão gorjeia porque tem voz. E sucede sempre serem os que vivem do prestígio alheio, os que mais alegam triunfos. Flautas, flautas... cantam nos paços e nas catedrais... pois venha daí um dueto comigo.
E, ironicamente, a toda voz, pôs-se a cantar o sabiá, e a flauta de prata, no estojo de veludo... moita.
Faltava-lhe o sopro.
(Coelho Neto)

Postado por Marisa Alverga

domingo, 8 de julho de 2012

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        O  MEU  A/DEUS a RONALDO


         Recebi um convite  do poeta Manuel  Clementino,  da cidade  de  Arara,  para apresentar   RONALDO  CUNHA  LIMA  numa Feira de Cultura  que ali se realizava.
            Não foi uma missão fácil e me indaguei  onde  a  inspiração para falar sobre um poeta  que carregava  sobre os ombros  o  respeitável nome de RONALDO CUNHA LIMA,  expressão mais alta da cultura paraibana.
            Eu me perguntava onde encontrar  as  palavras que retratassem  fidedignamente  o que RONALDO representava  para as letras  e para a cultura da nossa terra.
                        Dei-me conta, porém, que não seria tão difícil assim,  porque sendo sempre linda a alma de um poeta,  as palavras  traduziriam por força  o que se desejasse dizer.
            O Poeta que apresentei em Arara, nos idos de  1983  - 25.08.de83, para ser exata, dissociava-se do político que ontem fora Deputado Estadual por duas  legislatura (1962  e 1966), como o mais votado naquelas eleições; o Prefeito de  Campina Grande, eleito em 1968, que se viu  deposto 43 dias depois da posse, arrancado  arbitrária e injustamente  do Poder  Municipal    por um ato de exceção, ferindo o direito soberano do povo que o elegeu.  E RONALDO nunca soube por que foi  cassado. E o povo  nunca soube por que  RONALDO  foi cassado, senão por ser um idealista que sonhava o sonho do seu povo. E  a sua alma de poeta amargou durante 10 anos  a saudade da sua gente, do seu povo, da sua terra, quando voltou à  Prefeitura de Campina Grande,  mais uma vez pelos braços do povo.
            Filho de Guarabira, o que muito envaideceu  os guarabirenses,    RONALDO  era também filho de  Arara, de  Campina Grande, da Paraíba, do Brasil.
            Grande   na sua simplicidade  não era apenas o Advogado Ronaldo da Cunha Lima, ou o ex - Prefeito de Campina Grande, o ex- Governador da Paraíba,  ou o Deputado Estadual e Federal, ou o Senador da República,   mas o poeta, aquele do Habeas Pinho,  que sempre se  agigantou  e se impôs pela força da sua canção que tocava o coração da sua Pátria.
            Um poeta que se encantava com as estrelas,  delirava com a lua, que se deliciava ante um  pôr-do-sol;  que se encantava com o gorjear dos  pássaros  e se embevecia  com a Natureza, transformando o mundo num hino de amor.
            RONALDO CUNHA LIMA foi o Poeta que Guarabira emprestou a Campina Grande.
            Um dia veio a Guarabira para lançar um LP  intitulado SEM LIMITE e eu lhe disse naquela ocasião:
Meu querido RONALDO:

Recebi o seu convite
Que me trouxe emoção
Do RECITAL SEM LIMITE  fazer a apresentação.

Não  é fácil,  estou certa,
Tecer argumentação,
Do disco de um poeta
Que nos fala ao coração.

O que a RONALDO dizer eu posso,
E a você que hoje me escuta
Senão que RONALDO é nosso
E juntos iremos à  luta?

Você diz que em noventa
Ninguém lhe sustenta, seja como for
E também não nos sustenta
Queremos você prá Governador.

A história da sua lira
Começa aqui a emergir
Nas ruas de Guarabira
Na Barra de Cuitegi.

É o filho que Guarabira
Emprestou a campina Grande
E por amor a sua lira
Espero que ela nos mande

De volta  o poeta e fique atenta
De olho na nossa mira
O Governador em noventa
É filho de Guarabira.

Agora  a minha meta
É a inspiração
Prá falar de um poeta
Astro da televisão

Em J. Silvestre concorreu,
Na antiga TV Tupi
E uma lição nos deu
Sem que saísse daqui

Uma lição de lascar
Que merece muita atenção
Não se deixou intimidar
Diante da repressão

O programa foi censurado
Saiu, porém, com bravura,
Um homem honrado
Não se curva à Ditadura.

Ganhou um apelido engraçado
Que é repetido ainda
Foi cognominado
De RONALDO COISA LINDA.

Do Programa do Silvestre
Segundo Osvaldo Miranda
Ele foi para a Manchete
E recebido com Banda

De  música e de alegria
E de aplausos também
Deu um show de poesia
Sem temer a mais ninguém.

O dinheiro que ganhou
Foi importante. E por que não?
Se seu prêmio entregou
Para uma Fundação?

Ele não procura história
Mesmo porque foi fadado
A ter em casa uma Glória
Dia e noite ao seu lado.

Se tem uma Glória ao lado
Prá que ia outra querer?
Ele é o seu bem amado
E ela o seu bem querer.

Quem é o rival de Glória,
Ante quem se extasia?
Não sou eu nem a História
É a própria poesia .

Falamos de manhã
e vamos falar agora
do disco e da Guriatã
Que entraram prá História

Do disco consta DESENCONTRO e diante
Do COTIDIANO,HABEAS PINHO e O MENINO QUE SONHAVA
E na CANÇÃO DO AMOR DISTANTE
O SONETO DA SAUDADE nos lembrava

Um  PRESENTE DE ANVIERSÁRIO
Com o CÓDIGO DO AMOR, o AMOR GUARDADO,
ONIPRESENTE num CONVITE À  PAZ imaginário
Recriando auroras no coração de  Ronaldo.

Ele nos encanta e nos deleita
E tudo ao som de um violão plangente
Faz um verso de rima tão perfeita
Que enternece o coração da gente

Louva guardado um amor,
Diz que entre nos só a voz é sentida
Fala no amor  - ternura, como de uma flor,
Que  deve florescer  sempre escondida.

Do DESENCONTRO pensava
“Era manhã  , mas eu quis noite”
E o menino que sonhava
Da vida só recebeu açoite.

Num poema bem moldado
Disse  coisas lindas sobre um  violão
Só mesmo você, RONALDO,
Para   dedilhar as cordas de um  coração.

E “NAQUELA TARDE DE SÁBADO”, a esperança
Do amor, da ternura a acontecer
Diz que dentro da sua lembrança
Nunca  vai anoitecer.

Não é fácil  recriar as horas
Mas ele  o fez com maestria
Propondo PAZ e RECRIANDO AURORAS,
Na sua linda e pura poesia.

Você, RONALDO,meu amigo,meu irmão
Mestre, sejam quais forem os temas
Lançou  o  livro do meu coração
E deu vidas às poesias de ALGEMAS

E não foi só isso, nessa  vida  dura
Que você fez prá mim,  como num hino
Você apresentou TORTURA
E lançou também POR CULPA DO DESTINO

E de OLHOS VENDADOS? É verdade
Foi a você, juro por Deus
Que meu coração, partido de saudade
Pediu para lançar SINFONIA DO ADEUS

Tudo isso você fez sem ser rogado.
Só mesmo você, meu amigo querido,
Só mesmo você meu querido RONALDO,
Soube dar vida a  um  coração ferido.

Tai, RONALDO,  tudo o que sabia
Fazer, eu fiz  com o maior prazer
Desculpe as rimas  pobres  da minha  poesia
O poeta aqui não sou eu, é você.

Você que com altivez e galhardia,
Num momento de emoção
Transforma a vida em poesia
E faz da dor  uma canção .

Você que canta a saudade
Canta  a alegria e a dor e com rara  felicidade
Rima  Deus do céu com amor.

São  muitos os poemas do seu estro
Lembrei alguns lhes dando asa
Quem quiser  saber do resto
Compre o  disco e ouça  em casa

Deixem que numa última rima
Eu me despeça e me exiba
Abraçando RONALDO DA CUNHA LIMA
Futuro  Governador da Paraíba

Deixem, também, que a verdade seja dita  
E eu possa  caminhar em linha reta
Ao RONALDO político, ao RONALDO estadista
Eu  prefiro mil vezes, o RONALDO POETA.

Ronaldo,sabe o que eu acho?
Sou sua fã,eleitora e amiga leal
Digo e assino embaixo:
MARISA  ALVERGA CABRAL.

E  ao levar o meu A/DEUS a RONALDO, meu amigo, meu irmão, meu ídolo, na certeza de que hoje ele canta nos céus a glória do Pai, transcrevo aqui o seu

                                    DESENCONTRO

Era segunda,  imaginei domingo
Era de   noite, imaginei manhã
Chovia muito e eu imaginava sol
As  pessoas de comprimiam e eu não vida nada

Havia multidão e eu me sentia só!

Você  não estava mas eu lhe fiz presente
Você chegava    sem saber se estava
Você  falou sem saber o que disse                                 
E disse  coisas  sem dizer  palavras...

Você  estava perto sem saber se estava
E até me  beijou  sem se sentir beijada
Era  segunda, mas imaginei domingo.

Chegou  o sol mas se fez manhã
Chegou  o dia e se fez  domingo
Houve palavras mas não eram suas
Houve presença  mas sem ser você
Houve  multidão e agitação profunda.

Então era manhã mas eu quis a noite
Fazia sol e eu queria chuva
Era domingo e desejei segunda!”   

                                                           Marisa  Alverga

Guarabira,07 de julho de 2012                       

segunda-feira, 2 de julho de 2012



OS DOIS PEDIDOS



O menino  ainda não tinha dez anos. Seus cabelos claros cobriam-lhe a testa displicentemente. Seus olhos tinham uma expressão de viva curiosidade. Aproximou-se da mãe e, sem cerimônia, questionou-a:
- "mamãe, o que você quer que eu seja quando crescer?"
A mãe deixou os afazeres de lado e olhou demoradamente o pequeno.

- "Por que a pergunta, meu bem?" - devolveu o questionamento ao garoto.
- "Ah, mamãe!", disse suspirando, "hoje, na escola, meu amigo me disse que ele vai ser médico porque seu avô é médico e seu pai também. Então, fiquei pensando nisso. O que você e o papai querem que eu seja?"

O rostinho do menino tinha um traço de apreensão.
- "Meu querido, disse ela abraçando o garoto, "eu tenho apenas dois pedidos para lhe fazer. Quero que você seja correto e que seja feliz."
Beijou suavemente a testa do filho que, insatisfeito com a resposta, afastou-se para poder fitar a mãe diretamente.
- "Não, mamãe! Qual profissão você quer que eu tenha quando crescer?" - voltou à tona achando que não havia sido compreendido.

- "A escolha da sua profissão, meu filho, cabe apenas a você. Isso não me compete, tampouco me causa maiores preocupações. O que eu quero de você é outra coisa. Ou melhor, como eu lhe disse, tenho apenas dois pedidos a lhe
fazer. Vou repeti-los e explicá-los. Quero que você seja correto. Isso significa que espero que você escolha o caminho do bem sempre, mesmo que ele seja mais longo ou mais difícil. Que pense nas conseqüências dos seus atos, para você e também para os outros. Que não tema a verdade, nem a justiça. Ao contrário, que as busque sempre com serenidade e persistência. O segundo pedido, que é tão importante quanto o primeiro, é que você seja feliz. Isso quer dizer que espero que, apesar das dificuldades da vida, você tenha sempre confiança em Deus. Que acredite na justiça divina e que jamais se entregue ao sofrimento. Que você tenha o coração cheio de amor e de coragem para seguir em frente, sempre."

A mãe acariciou o menino, afagando-lhe os cabelos com doçura e concluiu: - "Para mim, meu filho, o que interessa é como você vai ser e não o título que vai carregar."

Pense nisso!
Por vezes, sentimo-nos tentados a buscar realizar nossos sonhos frustrados por meio de nossos filhos.
Induzimos nossos jovens a concretizar ideais de vida que não são os deles.         

Fazemos que eles busquem objetivos que, na verdade, eram nossos. Por mais promissoras que sejam algumas carreiras e profissões, não cabe a nós, pais, escolher os caminhos que nossos filhos trilharão. Nosso dever é prepará-los para que sejam homens e mulheres de bem. Altos salários e títulos de honra nada são se a alma permanece atormentada pela tarefa não cumprida e pelo compromisso abandonado. Se queremos que eles sejam realmente felizes, cabe-nos orientá-los para que busquem a senda da retidão moral. Somente assim nossos amores serão capazes de alcançar a felicidade possível neste mundo.